Desafios e oportunidades para empresas funcionarem 24 horas

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Enquanto lojas de conveniência e farmácias encurtam jornada, academias de ginástica e salões de beleza expandem expediente. Segurança e rentabilidade são pontos críticos

A vida corrida das cidades e o acúmulo de funções faz as pessoas irem cada vez mais tarde para a cama, aumentando consequentemente o período produtivo e também de consumo. O hábito de fazer compras ou mesmo transações bancárias a qualquer hora do dia se fortaleceu com a internet, canal em que as lojas e agências nunca fecham. Fora do ambiente virtual, empresas que sempre foram tradicionais na madrugada como hipermercados, livrarias e lojas de conveniência começam a encurtar a sua jornada atemorizados pela violência ou desestimulados pelo custo. Ao mesmo tempo, salões de beleza, academias de ginástica e empresas de delivery começam a explorar o potencial do noturno.

As empresas que experimentam o horário estendido pretendem atingir grupos mais ativos durante a noite e a madrugada. As lojas físicas 24 horas são mais fortes em bairros pequenos como os da Zona Sul carioca, em que as pessoas se deslocam a pé com facilidade, e também nas comunidades pacificadas, onde o fluxo de moradores que voltam do trabalho nunca para. Já em bairros com maior extensão territorial, como Jacarepaguá e Barra da Tijuca, em que o deslocamento depende mais de carro a preferência é pela entrega em domicílio.

Apesar de atrativo, à primeira vista, o funcionamento na madrugada é um desafio que possui peculiaridades em quesitos como equipe, logística e segurança. Caso essas questões não sejam bem conduzidas, podem comprometer a rentabilidade e até mesmo a saúde do negócio. Enquanto algumas empresas testam sua popularidade na madrugada, outros estabelecimentos já consolidados como 24 horas, tais como supermercados e lojas de conveniência de postos de gasolina, encurtam seu expediente. “Quem opta por não trabalhar mais na madrugada, provavelmente verificou que seu custo estava superando o faturamento. Além disso, o baixo movimento facilita a ocorrência de crimes”, diz Ricardo Teixeira, Professor dos MBAs da FGV, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Demanda x Custo
Antes de fazer alterações drásticas no funcionamento do estabelecimento é necessário verificar se a demanda na localidade é sustentável para o produto ou serviço oferecido na faixa de horário em que se pretende atuar. O Koni optou por funcionar durante a madrugada na maioria das suas lojas de rua, mas em uma das duas unidades localizadas no bairro do Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o horário foi reduzido devido à baixa movimentação. “Nesse caso, optamos pela redução no funcionamento e a loja continua saudável. A outra unidade, no Baixo Leblon, uma região mais boêmia, continua funcionando durante a madrugada”, diz Michel Jager, Sócio Fundador da Rede Koni, em entrevista ao Mundo do Marketing.

O mesmo aconteceu com a rede GPA que aboliu o funcionamento 24 horas dos super e hipermercados Pão de Açúcar e Extra. A opção se deve aos custos da operação depois da meia-noite, que não eram supridos pelas vendas. “A decisão está baseada nos estudos de comportamento dos consumidores, que apontaram baixa adesão às compras no período da madrugada. Todas as unidades terão horário comercial definido de acordo com o perfil do cliente de cada região. O quadro de colaboradores será remanejado de acordo com a escala de funcionamento das unidades. Para comodidade dos clientes, a empresa também oferece o serviço de entregas pela internet”, disse a empresa em nota enviada ao portal.

Entre as mudanças necessárias para quem deseja manter o estabelecimento em funcionamento constante é o quadro de funcionários. O turno da noite, em geral, pode ser menos robusto do que aquele que atua em horário de maior fluxo, porém, os custos se mantêm elevados devido aos direitos trabalhistas que contam com diferenciais como o adicional noturno. Outra dificuldade está no recrutamento de mão de obra disposta a atuar depois da meia-noite diariamente. “As farmácias 24 horas mantinham equipe regular enquanto trabalhavam com as portas abertas. Depois passaram a operar com as portas fechadas e um guichê com um único funcionário. A demanda existe, mas não é elevada, o que justifica um encurtamento da estrutura”, avalia Ricardo Teixeira.

Quando a madrugada é estratégica
A política de horário para ser adequada deve estar intimamente ligada com a estratégia central da companhia. É o caso da Koni Store que optou por manter seu funcionamento até às 6:00 nas sextas-feiras e sábados. Nos demais dias, o ponto fica aberto até as 3:00. Quando decidiram adotar essa política, a intenção da temakeria era construir a imagem de um estabelecimento que fornece comida fresca a qualquer hora e se aproximar dos jovens que frequentam casas noturnas. “O consumo na madrugada funcionou muito bem como oportunidade de experimentação de uma nova categoria de produto para os consumidores que precisavam recorrer apenas aos salgados requentados. Posteriormente, o consumo de nossos temakis se estendeu para outros momentos”, conta Michel Jager, Sócio-Fundador da Rede Koni.

A Johnnie Walker também aproveitou a identificação dos seus consumidores com a vida noturna para fortalecer sua marca em parceria com o aplicativo Easy Taxi. As duas empresas perceberam o aumento da procura por taxis na saída de boates, bares e restaurantes. Em uma ação, os consumidores que acessavam o aplicativo das 20:00 até às 6:00 eram informados sobre uma cortesia de R$ 40,00 no valor da corrida. “Como somos um serviço que funciona 24 horas e sabemos que na madrugada a propensão de consumir bebida alcóolica é maior, oferecemos este benefício para reforçar nosso compromisso social em apoio à segurança no trânsito”, diz Camila Ferreira, CoCEO da Easy Taxi no Brasil, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Algumas vezes, a extensão de horário não visa apenas o lucro, mas conquistar novos perfis de consumidores. A estratégia é válida especialmente para estabelecimentos que já se consolidaram e que tem a intenção de fortalecer o relacionamento com o consumidor. Por outro lado, abrir uma empresa 24 horas apenas para acompanhar a moda e sem garantia de rentabilização pode ser fatal. “Se a empresa já tem sucesso e quer testar ficar aberta por mais tempo, a experimentação é sempre bem-vinda. A princípio a demanda costuma ser tímida mas tende a se fortalecer, à medida que os consumidores tomam conhecimento”, diz Ricardo Teixeira.

Segurança é um ponto de atenção
A violência nas grandes cidades é inimiga dos estabelecimentos 24 horas. Em certas regiões, os consumidores são afugentados pelo medo de assaltos. Na Barra da Tijuca, alguns postos de gasolina reduziram a jornada, ficando abertos até meia-noite. Uma das unidades chegou a registrar 15 assaltos em um período de seis meses. “A segurança precisa ser levada em conta pelo gestor tanto no que diz respeito aos seus funcionários e à empresa, como também com relação ao cliente. Se o estabelecimento fica em locais onde a incidência de crimes é alta, pode não ser uma boa ideia funcionar até tarde. Qualquer coisa que aconteça com os clientes no trajeto para o estabelecimento de alguma forma recai sobre a marca”, comenta Augusto Uchôa, Professor de Marketing da ESPM Rio, em entrevista ao Mundo do Marketing.

A deficiência de transportes públicos aumenta a insegurança e reduz a frequência de consumidores em programas que terminam mais tarde. Para atender a esta demanda, a Easy Taxi desenvolveu uma ferramenta específica para eventos e estabelecimentos comerciais, que permite ao funcionário solicitar até seis carros de uma vez para os clientes, reduzindo o tempo de espera. “Quando tem um evento parceiro, alertamos todas as viaturas próximas ao local para que redobrem a atenção aos chamados. Assim, o tempo de espera não passa de cinco minutos, na maioria dos casos”, comenta a CoCeo do Easy Taxi no Brasil.

Quando a segurança aumenta na região isto se reflete na demanda por consumo em horários alternativos. O empresário Antônio Claudino apostou na madrugada há 15 anos com o restaurante Garota da Via Ápia, na rua principal da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Ele que era também sócio de outro restaurante, o Le Coin II, no Leblon, abriu mão do estabelecimento no bairro nobre para investir na comunidade. “Depois da chegada da UPP, as pessoas, mesmo de fora da comunidade, têm mais segurança para vir até aqui. Recebo sempre funcionários do Shopping Fashion Mall, em São Conrado”, conta Antônio Claudino, proprietário de restaurante, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Antônio comprou a participação dos outros sócios na casa da Rocinha e investiu na renovação do layout com um projeto de arquitetura e adotou o nome fantasia Amarelinho. “Na madrugada, atendemos os moradores que retornam do trabalho em grandes restaurantes da Zona Sul e da Barra. O segredo é oferecer sempre comida fresca. Essa é uma demanda que não pode ser deixada de lado. Preferi a Rocinha porque o movimento nunca para”, analisa o empresário.

Delivery é um nicho fértil para a madrugada
O delivery é uma tendência forte nas madrugadas, já que na internet é possível encontrar serviços que vão desde chaveiro até buffet de crepes que atendem em casa. Na entrega em domicílio o investimento é menor, o que viabiliza a diversificação da oferta. “Não é necessário ficar com uma loja aberta esperando o consumidor. Quando se trabalha com mobilidade, o custo fica menor, moldando-se às demandas”, diz Augusto Uchôa.

Este raciocínio levou o empresário Leon Schaefer a criar, em 2010, o site Alô Madruga, especializado na entrega de bebidas, petiscos e comida congelada. “Sempre preferi encontros sociais em casa e, quando faltava algo no meio da noite, não tinha onde comprar. Para preencher este espaço, criei a empresa. As pessoas estão preferindo confraternizações em casa para fugir do trânsito, da Lei Seca e dos preços altos cobrados nas casas noturnas, nas quais uma cerveja pode custar até R$ 15,00”, conta Leon Schaefer, Fundador do Alô Madruga, em entrevista ao Mundo do Marketing.

O estabelecimento conta atualmente com cinco entregadores e atende a uma média de 40 pedidos por noite em sete bairros do Rio de Janeiro. Originalmente, a empresa atendia a partir das 20:00, mas com o crescimento da procura agora inicia suas operações às 16:00, nos finais de semana, e pretende expandir o novo horário também para os dias úteis, até o final do ano. “Minha maior dificuldade ainda é encontrar profissionais dispostos a trabalhar de madrugada todos os dias. A demanda vem crescendo constantemente impulsionada pelo boca a boca e pelas buscas na internet”, complementa Leon Schaefer.

Fonte: Mundo Do Marketing

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