Empresas são desafiadas a transcender o consumo para ter relevância

A construção de marca caminha para ocorrer em tempo real. Os consumidores conectados em rede e empoderados desejam se relacionar com empresas responsivas e que transcendam a venda de produtos e serviços para cuidarem de interesses sociais. Essa demanda já está clara para o mercado, mas as companhias ainda esbarram em obstáculos na hora de colocar em prática ações que vão ao encontro desses anseios. Dois terços dos consumidores globais consideram os relacionamentos das marcas unilaterais e de valor limitado, segundo mostrou o estudo anual Brandshare, da Edelman.

A maioria (70%) acredita que a única razão do relacionamento das marcas com as pessoas é o desejo egocêntrico por aumento de lucro. No Brasil, o cenário é o mesmo. Paralelamente, o desejo por transparência cresceu no mundo, passando de 54% para 68%, de 2013 para 2014. Por aqui, esse índice subiu de 73% para 84%, o que mostra como as expectativas são ainda maiores no país se comparado a outros territórios. O papel do setor privado na vida das pessoas está ganhando um novo significado.

As marcas devem ser capazes de criar um valor na troca que estabelecem com consumidores. “As pessoas querem saber qual é o comportamento da organização, o que está por trás daquela oferta, qual é a essência, o propósito da marca. Desejam entender por que a empresa faz sentido para elas”, comenta Rodolfo Araújo, Líder das Áreas de Pesquisa e Conhecimento da Edelman Significa, que apresentou a pesquisa da agência na ESPM Rio.

IBM, Brandshare, EdelmanNovas exigências da sociedade
Nos anos 1990, a qualidade do produto era um diferencial, levando as marcas a iniciarem uma corrida para esquematizarem métodos e áreas de processo. Em algum tempo, isso se tornou padrão. O alinhamento aos conceitos de sustentabilidade também já caminham para virarem pré-requisito. A sociedade dá sinais claros de que suas próximas exigências às companhias estão relacionadas à existência de um propósito claro, uma identidade que vá além da entrega básica.

Entre as nove principais necessidades dos consumidores levantadas no estudo, apenas duas são racionais e estão relacionadas à consistência e qualidade dos produtos e serviços. As demais são emocionais e sociais. Entre elas estão “eu quero estar associado a uma marca”, “a empresa é uma parte essencial da minha vida”, “eu me sinto bem comprando produtos e serviços da companhia” e “eu sinto que a organização se preocupa com mais do que ela mesma”.

Em setembro deste ano, a rede de farmácias norte-americana CVS deu um passo nessa direção ao anunciar que abriria mão de uma importante fonte de receita em favor de seu propósito de trabalhar com a saúde. As unidades deixaram de vender cigarros e ainda saiu em campanha contra o hábito. A empresa instalou uma bituca de cigarro gigante em um grande cinzeiro vermelho, localizado no Bryant Park, em Nova York.

Consumidores endossados por marcas comprometidas
As companhias precisam responder a esses cidadãos, muito mais emponderados e articulados horizontalmente, com ações que respondem a seus anseios. Elas devem agir guiadas por uma missão clara e um propósito, posicionar-se em relação a questões importantes para os consumidores, comunicar de forma transparente sobre como seus produtos são fabricados e convidar os clientes para participarem do processo de desenvolvimento de novos itens.

A expectativa da população é que as marcas usem seus recursos para transformar o mundo para melhor e que deem respostas rápidas a seus questionamentos. Os consumidores tendem a recompensar as organizações que atendam a esses desejos. “Do ponto de vista emocional, as pessoas querem ser endossadas e se associar às marcas. Elas querem poder comprar sem sentir culpa, especialmente as gerações mais jovens. Há uma abertura maior para as empresas interferirem em pontos chave da vida desses indivíduos”, complementa Araújo.

A maioria dos brasileiros (87%), por exemplo, acredita ser importante as marcas responderem rapidamente a suas preocupações e reclamações, enquanto 84% querem que elas falem de maneira aberta e transparente sobre suas cadeias de produção e 67% desejam participar dos seus processos de desenvolvimento e aprimoramento. Os números no Brasil, em geral, mostram-se superiores às médias globais, demonstrando a alta expectativa dos brasileiros em relação às marcas.

IBM, Brandshare, EdelmanLacunas entre expectativa e percepção
As empresas ainda estão aprendendo a lidar com tudo isso. “Sabemos que as lacunas entre as expectativas das pessoas e o que elas entendem como resposta das companhias existem. O mundo está se transformando, tendo as redes sociais como locomotiva. As pessoas se tornaram mais participativas, contestadoras e exigentes, dentro da sociedade, do país, da empresa e também como consumidores”, resume Mauro Segura, Diretor de Marketing e Comunicação da IBM Brasil, que também participou do evento de apresentação do estudo na ESPM-Rio.

As companhias ainda enfrentam dificuldades em transformar a carta de intenções em realidade, mas aos poucos começam a se posicionar diante de questões locais e mundiais, por pressão dos clientes e até dos funcionários. “Durante as manifestações de 2013, uma rede de fast food liberou a sua rede wi-fi. Uma empresa de água levou para as ruas seu produto e distribuiu entre os presentes. Não havia um posicionamento público, mas havia esse suporte, um apoio”, exemplifica Segura.


Desafios na comunicação

Assim como as pessoas cobram mais dos outros cidadãos, o mesmo acontece com as empresas, seja em relação a suas tecnologias ou produtos. Há muitas companhias que já implementam ações que seguem essas demandas, mas que ainda enfrentam barreiras na divulgação delas. Algumas por ineficiência na comunicação e outras por uma postura cultural de não propagar ações sociais.

Existe uma pressão dentro das próprias empresas por um posicionamento mais atuante. Mas nem todas cedem. “Alguns anos atrás, um terremoto grande atingiu a China e a IBM atuou com um de seus serviços no território. Em um desastre natural, as comunicações desaparecem e a aflição que as pessoas mais enfrentam é a dificuldade de encontrar e contatar parentes e amigos. Diante disso, instalamos de pequenos sistemas portáteis em determinados pontos onde aconteceu o acidente, ligados por satélites. As pessoas registravam seus nomes nesses postos, ajudando na localização delas. Na época do terremoto, houve uma pressão interna na companhia para que essa ação fosse divulgada, mas a empresa optou por não fazê-lo”, conta o Diretor de Marketing e Comunicação da IBM Brasil.

Leia a apresentação do estudo da Edelman (em inglês).

Fonte: Mundo do Marketing

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