A arte de expôr

DECORAÇÃO-VITRINEDo aglomerado de produtos em barracas de feiras às histórias contadas por meio de luz, cenas e manequins, as vitrines se tornam elementos ainda mais fundamentais na experiência de compra

No Renascimento, elas não existiam da forma como as conhecemos. O varejo simplesmente acumulava os produtos que tinha e os mostrava a quem estivesse passando. Hoje, com a ajuda de luzes, telas de LED, manequins cada vez mais realistas e, principalmente, uma boa história, as vitrines passam a ter papel essencial na decisão de compra e na experiência dos consumidores. Entre um ponto e outro dessa transformação, existe uma trajetória de mudanças de percepções do papel desse elemento, hoje tão trivial no varejo. E quem conta essa história é Sylvia Demetresco, doutora em comunicação e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), professora e uma das fundadoras do Instituto Merchandising Brasil. “A vitrine é uma experiência compartilhada com outras pessoas. E isso está mexendo mais com o varejo, porque, além de ser informativa, ela tem de envolver as pessoas”, afirma.

“O primeiro fator para arrumar o produto para exposição é a concorrência, depois o objetivo é chamar a atenção desse item para que ele seja vendido”, resume a professora. Até chegar a esse entendimento, muita coisa aconteceu. Foi somente com a inserção do vidro na vitrine que o cenário atual surgiu. Até então, esse era um espaço com produtos expostos, bem ao estilo feira livre. Com o vidro, inicia-se a preocupação com a cenografia. E nascem aí diferentes conceitos. Enquanto na França e na Inglaterra criava-se um estilo carregado, com várias peças expostas e iluminação mais pesada, na Alemanha e no Leste Europeu os espaços eram mais vazios. Foi somente em 1825, em uma feira em Paris, na França, que se falou, pela primeira vez, em um profissional dedicado à decoração das vitrines. “E cria-se um dicionário com todas as regras do visual merchandising, que não mudou muito até hoje”,avalia a professora.

Em entrevista à revista Shopping Centers, Sylvia fala sobre os momentos de transformação, sobre a importância desse elemento para o varejo e sobre as tendências. E para quem ainda pensa que vitrine é um vidro que separa a loja da rua ou do corredor de shopping, ela reforça: “O consumidor quer um produto bem exposto, que conte uma história e que lhe ofereça uma experiência que o leva até a loja. É a vitrine que vai carregar o cliente para dentro da loja para passar por essa experiência diferenciada.”

Qual é o papel da vitrine no varejo?

Sempre se falou que a vitrine é o cartão de visitas da loja. Mas hoje não é só uma ferramenta de exposição de produto, ela é parte da experiência do consumidor. Na internet ocorre o mesmo: o site não deixa de ser uma vitrine, que deve ser uma experiência social.
Se em um corredor de shopping tiver cinco lojas de camisetas e todas iguais, todas serão sem graça. Mas se alguma conta uma história e mostra alguma coisa que leva o cliente para dentro da loja, ela cria um diferencial. A vitrine é uma experiência compartilhada com outras pessoas. E isso está mexendo mais com o varejo, porque além de ser informativa, ela tem de envolver as pessoas. O objetivo é mostrar um produto e uma marca. E isso se faz contando uma história.

O storytelling na vitrine sempre foi uma preocupação do varejo?

A vitrine no Renascimento era apenas uma exposição de produto. E mesmo nos tempos antigos, e até hoje, as joalherias, por exemplo – que eram praticamente as únicas marcas que tinham atenção a isso, têm a preocupação de contar uma história e trabalhar mais esses espaços. O consumidor quer um item bem exposto, que ofereça a ele uma experiência que o leve até a loja. É a vitrine que vai carregá-lo para dentro da loja para passar por essa experiência diferenciada. Hoje, o produto tem de estar bem exposto e deve contar algo interessante. Se o cliente está olhando para a vitrine é porque foi atraído por alguma coisa.

Quais foram as principais mudanças históricas no papel das vitrines e no modo como o varejo as encara?

Das feiras até 1800, a vitrine era um janelão para expor os produtos e chamar a atenção. E quando o vidro passa a ser utilizado no varejo, as lojas começam a criar vitrines com cenografias.

Mas foi somente em 1825, na França, que se falou, pela primeira vez, em um profissional dedicado à decoração desses espaços. Até 1940, vemos dois estilos: vitrines carregadas, e outro, mais popular, sem muita ordem. No pós-guerra, com os concursos de vitrines em Londres e Paris, aumentam as preocupações com esse elemento e as lojas começam a chamar artistas para fazê-las. Andy Warhol fez Dior, Picasso fez Tiffany, Dali e Duchamp também fizeram vitrines, em uma época que já eram famosos, mas não tinham dinheiro. E ela está sempre relacionada com a arte – o vitrinista vai copiar o que sai na Bienal e o artista vai olhar para a vitrine para ver as tendências. Era um caminho para preencher lacunas. A primeira escola de vitrine surgiu na Suíça, em 1913, bancada por marcas de relógios.

Em seguida, nos anos 1970, apareceram os banners, porque o pôster e as fotos começaram a ficar mais baratos e aí entramos na onda do minimalista. As marcas colocavam o pôster e o manequim e achavam que criaram uma vitrine. As décadas de 70 e 80 foram muito fracas em termos de vitrines no mundo inteiro. Foi uma época pobre. Somente em 90, o varejo começou a ver que era importante fazer coisas diferentes para se destacar da concorrência. E já se falava em storytelling, que ainda pauta as lojas hoje. Até então, a percepção era de que as coisas eram mais simples, mas eram mais originais. Hoje, são e usados vários artifícios tecnológicos, mas o que chama mais atenção é a iluminação, uma cenografia diferenciada e uma boa história – este é o melhor jeito de falar sobre uma marca, porque não é só mais a exposição de produto.

Esses movimentos foram globais ou eles mudaram conforme o tipo de varejo e o país?

A linha do tempo é global, mas existem algumas particularidades. O europeu é mais clássico e utiliza material caro, enquanto o americano vai gastar mais com manequins e iluminação e menos em cenografia. O Brasil usa materiais mais baratos e ideias mais criativas. Apesar dos orçamentos menores, existem muitas marcas que estão investindo muito em vitrines, é o caso de muitas lojas no Brás (bairro de São Paulo conhecido pelo forte comércio de roupas). Elas são tão boas e tão grandiosas quanto as vitrines europeias, em termos de tempos de mudanças, investimentos e utilização dos espaços. O engraçado é que muitas lojas de um ou outro shopping voltado à classe mais alta, por exemplo, não estão fazendo nada. Na rua Oscar Freire você conta nos dedos as vitrines realmente boas.

Como os consumidores enxergam a vitrine?

O brasileiro gosta de qualidade, mas ele não exige que a marca tenha uma vitrine boa para ele entrar na loja, não exige da empresa ser bem atendido neste sentido. Ele não está preocupado com a experiência pela qual poderia passar. E pensar que vitrine boa é sinônimo de loja cara é um erro de percepção. Loja arrumada chama a atenção de qualquer um. Mas o brasileiro em geral está atento à marca, não à cenografia ou à história dessa marca. No entanto, isso começa a mudar.

Qual o peso da vitrine na decisão de compra do consumidor?

Se a pessoa está fazendo as compras pelo racional, com orçamento fechado, sabendo o que quer e já tendo na lista de opções algumas marcas, dificilmente terá alguma influência. Mas o peso é enorme do lado emocional. Se você precisa de uma calça, mas não decidiu que comprará o item naquele momento, e vê uma vitrine arrumada, você entra na loja. Pode até não comprar a calça por vários motivos, mas pode sair de lá com algum acessório. O emocional ganha.

É possível falar de vitrine na internet?

O site não deixa de ser uma vitrine, mas a internet tem de oferecer outra experiência. No entanto, tem de existir cumplicidade entre a vitrine da loja física e a da internet – elas têm de ser semelhantes de alguma forma e na web tem de ser tão interessante quanto é na física.

Existem diferenças entre os objetivos de uma vitrine de loja em um shopping e a de rua?

As coisas mudam quando as lojas estão dentro do shopping, mas não tanto. Existe uma cultura de vitrine que ainda não existe na cabeça do designer e do proprietário da loja brasileira, mas ele terá de investir cada vez mais. Hoje, o visual merchandising é tão forte quanto o marketing e, nessas lojas grandes de departamento, o investimento dos dois está quase no mesmo nível. E se elas estão investindo e pagando altos salários, é porque tem retorno.

Quais são as tendências em vitrines? O que temos visto de novo por aí?

É engraçado porque vi no Japão e no Piauí lojas em que o chão do corredor do shopping invade a área interna e se transforma em outra coisa à medida que o cliente adentra o local. A vitrine é uma entrada que leva o consumidor para dentro da loja muitas vezes sem ele perceber. Não vi na Europa ainda. Deve ser uma tendência, que não sei se vai durar. Mas há uma tendência de não criar barreiras – que é a ideia de uma exposição de obras de arte. Em alguns setores, como o de lingerie, por exemplo, existe a tendência de fechar a vitrine, para criar curiosidade. E conforme o consumidor vai entrando na loja, os ambientes vão mudando.

REGRAS BÁSICAS PARA UMA BOA VITRINE

Diferentes níveis: qualquer vitrine deve estar acima do nível do chão, seja da rua ou do shopping. Luz, luz, luz: iluminação é parte essencial da composição da cenografia. E a professora recomenda buscar profissionais que entendam bem do assunto para definir o foco, a cor e a intensidade da luz de acordo com o produto e a identidade da marca.

Especificações: verificar que tipo de acessório é possível colocar na vitrine é importante estruturalmente. Pendurar um manequim no forro pode não ser boa ideia sem saber se o forro aguenta o peso.

Manequins: existem de todos os modelos, cores e estilos. É preciso escolher aqueles que têm a ver, primeiro, com a identidade da marca e a mensagem que ela quer passar, depois com o tipo de produto que está sendo exposto naquela estação e local. Também é importante atentar ao tempo de rotatividade desses elementos.

Produtos: em tese, os pequenos precisam ficar em lugares mais visíveis, no alto, por exemplo, e os maiores no baixo. E a exposição sempre deve respeitar uma linha crescente.

Produtos 2: nem sempre os produtos precisam estar nas vitrines. Nesta hora, é preciso inovar para chamar a atenção e levar o cliente para dentro da loja. Tire as etiquetas: informações como “aceitamos os cartões X” e os preços nas peças devem ser retiradas. A ideia é não interromper a linha de visão do cliente.

Crie histórias: o mais importante, hoje, é apresentar uma história verdadeira e coerente ao cliente para engajá-lo antes mesmo dele entrar na loja.

 

Fonte: Sindilojas POA

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