Segundo Fernando Martins, o Brasil está cinco anos à frente das universidades americanas em desenvolvimento de software em áreas como a criptografia de baixa energia
Tecnologia versus privacidade. Vigoroso nos Estados Unidos, o debate sobre o preço a pagar pelas inovações nos setores de comunicações e informática não contaminou o brasileiro. Levantamento da fabricante de chips Intel com 16 mil entrevistados em oito países indica que 84% dos brasileiros não veem problema em aderir a um sistema de monitoramento eletrônico de veículos se isto representar uma diminuição de 20% no tempo gasto no trajeto. Mais associado à exportação de commodities, o Brasil tem uma comunidade de desenvolvedores de software que se destaca em áreas como a criptografia de baixa energia. “O Brasil está cinco anos à frente das universidades americanas nessa área”, diz Fernando Martins, presidente e diretor executivo da Intel no país.
O brasileiro é um povo aberto a inovações tecnológicas?
Fizemos uma pesquisa, o Barômetro Digital da Inovação, que ouviu 16 mil pessoas em oito países. O brasileiro é muito mais permeável à inovação do que todos os outros países. O resultado é impressionante do ponto de vista de você resolver problemas que hoje já são aflitivos aqui, no Brasil, mas não tão complexos em outros países. A questão do trânsito, por exemplo: o brasileiro abre mão da privacidade para ter o posicionamento do carro. Tudo para que o trânsito se resolva e o tempo de traslado se reduza em 20%.
Em que medida o brasileiro está disposto a abrir mão de sua privacidade?
Oitenta e quatro por cento dos brasileiros querem isso. Perguntamos: “se houvesse uma redução de 20% no seu tempo de traslado entre ponto A e B na sua cidade, você abriria mão da sua privacidade, permitindo o posicionamento, a localização do seu veículo?”
E essa diminuição de 20% no tempo de traslado é factível?
Essa percentual estava na pergunta feita. Agora, esse é um ganho que você consegue. Nossos estudos mostram que você consegue até 30% de eficiência na via se tiver veículos capazes de fazer comboio, de se auto-organizar. É uma coisa de ficção científica mas existe a possibilidade de chegarmos lá, se nós implementarmos veículos autônomos, drones…
Drones?
Foi outra pergunta que apareceu na pesquisa: brasileiro, para segurança, você gostaria de ter opt-in (processo no qual o usuário precisa confirmar explicitamente sua adesão) num sistema de drones da prefeitura? A grande maioria dos brasileiros apoia isso. É um debate: você tem a privacidade e o avanço tecnológico. E o brasileiro é muito a fim do avanço tecnológico.
Mais do que a população dos Estados Unidos?
Lá, a preocupação com a privacidade é muito maior do que aqui. Mesmo porque eles não veem o benefício da coisa. Hoje, o trânsito no Brasil é muito mais caótico que lá. Então, eles não estão nesse sofrimento, a ponto de o sujeito dizer “isso é uma coisa válida, importante.”
O reconhecimento eletrônico de veículos será uma realidade no país em breve?
Nós vamos ter todos os veículos com placas eletrônicas até o fim de 2015, que é o cronograma atual do Siniav (Sistema de Identificação Automática de Veículos). Isso usa uma tecnologia muito mais avançada de radiofrequência do que aquela que a gente já tem por aí.
A Intel anunciou em abril deste ano a abertura de um centro de inovação no Rio de Janeiro. Quais as vantagens competitivas do Brasil para sediar este tipo de unidade de pesquisa e desenvolvimento?
Esse centro de computação de alto desempenho deriva da nossa estratégia de inovação para o Brasil, que está focada em três áreas: educação, energia e transporte. Na área de energia, você tem obviamente a Petrobras, mas em torno da companhia há um sistema de 30 mil empresas que fazem produtos e geram insumos para a Petrobras. Nessas empresas, nós detectamos uma necessidade latente da computação de alto desempenho para que o produto deles fosse melhor. Mas nem toda companhia tem condições de comprar uma máquina de alto desempenho, porque é uma máquina complexa, de dezenas de milhões de dólares. A ideia, que nós estamos realizando pioneiramente aqui no Brasil, para o mundo, é: como faço HPC (sigla em inglês para computação de alto desempenho) como serviço? Como coloco essa capacidade de uma forma on demand (sob demanda)para as empresas?
Qual foi o modelo de utilização escolhido?
Temos parceiros que vão gerenciar a máquina. Vão ceder horas de uso para essas empresas. As pessoas não entendem a diferença entre computação normal e de alto desempenho. Computação normal é folha de pagamento. Toda vez você vai rodar aquele mesmo software até que a legislação mude. Computação de alto desempenho é assim: tenho a asa do novo avião da Embraer, como projeto isso para não vibrar? Então, vou rodar uma vez só e vai ser uma computação pesadíssima. A analogia que eu faço é entre a faca, a tesoura e o cortador de grama. No seu telefone, você tem uma faca, capaz de fazer algum processamento. O seu ultrabook, em casa, é uma tesoura, já é um PC de última geração e faz alguma coisa em paralelo. E o cortador de grama é uma máquina massivamente paralela. Uma máquina de alto desempenho é capaz de fazer a modelagem de um reservatório da Petrobras, em que você tem milhares de nós, todos conectados. Você consegue fazer a modelagem daquilo tudo, em paralelo, num tempo razoável. Você até conseguiria fazer aquilo com um computador, que seria o equivalente da faca, mas ia levar muito mais tempo.
Por que não instalar um centro de pesquisa desse porte na China, por exemplo?
A China é um país que sofre restrições para certas tecnologias. Essa é uma máquina que, dada a capacidade massivamente paralela, é capaz de projetar bombas atômicas, armamentos e coisas desse tipo. Alguns países são considerados [pelo governo americano] como controlled countries (países que sofrem restrições) e a China é um deles. O Brasil é considerado pelo governo americano um país amigo do ponto de vista da computação de alto desempenho.
Qual o peso do Brasil no cenário mundial de software?
Até o fim de 2015 nós seremos a quinta maior comunidade de desenvolvedores de software no mundo. A Intel monta comunidades pelo mundo. A empresa administra e provê aos desenvolvedores o treinamento, o que é o state of the art, como fazer para o aplicativo rodar mais rápido nessa última geração de processador. E, aqui no Brasil, a comunidade de software é a terceira maior para nós.
Pode citar alguma área de tecnologia da informação em que o Brasil esteja na vanguarda da pesquisa e desenvolvimento?
Criptografia de baixa energia. De acordo com os nossos especialistas, o Brasil está cinco anos à frente das universidades americanas. Nós temos um programa através do qual estamos investindo aqui US$ 3 milhões em diferentes instituições, especificamente na criptografia de baixa energia. Criptografar é codificar. A ideia é de que você gostaria de ter sua privacidade quando usa o smartphone. Ele tem que usar pouca energia senão acaba com a sua bateria. Codificar gasta muita energia hoje. E você tem algoritmos mais poderosos que gastam mais energia. Então, como faço um algoritmo mais poderoso que gaste menos energia? O pessoal, aqui no Brasil, faz muito com pouco em geral, já sabe fazer. Vão fazer muita criptografia com pouca energia.
Fonte: Brasil Econômico