Além da possibilidade de ocorrerem protestos e da proximidade com as eleições, marcas pensam ainda em como se posicionar caso o Brasil não avance no mundial
A apenas nove dias do apito de início dos jogos da Copa do Mundo, o verde-amarelo colore de forma tímida as vitrines de lojas e as marcas ainda não sabem o que esperar deste mundial. As ações de Marketing demonstram cautela diante da avalanche de críticas à organização do evento e da indefinição sobre como serão os protestos durante o campeonato. Para completar, ainda é preciso se considerar a possibilidade de o Brasil não sair vitorioso na disputa, o que acabará de vez com alguma chance das empresas se aproveitarem do momento esportivo para fortalecer suas imagens.
Segundo o levantamento “O Lado Negro da Copa”, do Qualibest, 67% da população acredita que o mundial deixará um ônus para o país e para o povo em vez de um legado. O mesmo percentual acha que o evento não será nada tranquilo. Esses sentimentos negativos já arranharam a marca Brasil, como mostra Julio Moreira no artigo “Sobre a Copa, as Marcas e Vira-latas”, e ameaçam as companhias. A forma mais clara de evitar uma bola fora é manter distância das entidades organizadoras, como FIFA, CBF e governos, e se aproximar do torcedor, do futebol e da Seleção Brasileira.
Nessa estratégia, se a equipe não se sai bem nas partidas e deixa prematuramente o mundial, deverá prevalecer o espírito esportivo e o clima de “bola para frente”. “A marca vai fazer papel interessante caso se coloque ao lado do torcedor. É preciso deixar claro que, como patrocinadora, a empresa está ajudando a pagar a festa, mas isso não significa que vá ficar na área VIP, e deixar a população na geral. Se o Brasil perder, o posicionamento continua o mesmo. A pesquisa apontou para a importância de se parabenizar a seleção campeã, seja ela qual for, para manter o posicionamento a favor do esporte e não da política”, analisa Lusia Nicolino, Diretora de Marketing & Inovação do Qualibest, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Desafio do imprevisível
Mais da metade dos entrevistados (53%) concordou que algumas marcas patrocinadoras podem sair da Copa fortalecidas em sua relação com os consumidores, independentemente de o Brasil ganhar ou perder o campeonato. Entre mulheres, esse índice sobe para 58%. Os dois cenários possíveis, entretanto, obrigam as companhias a prepararem, no mínimo, um plano A e um plano B, quando não ainda outras possibilidades.
O momento é desafiador para as equipes de Marketing, que serão obrigadas a trabalhar ainda mais em tempo real. A Fiat, que nem patrocinadora dos eventos esportivos é, viveu situação semelhante durante a Copa das Confederações. “Tínhamos planejamentos para o caso de o Brasil ganhar ou perder. A Seleção Brasileira saiu vencedora e, em função de tudo que aconteceu, não fizemos nada. Este ano, evidentemente que estamos preparados para os dois cenários, mas mais uma vez podemos acabar não colocando nenhuma das opções em prática. Na verdade, ninguém sabe o que vai acontecer”, diz a Gerente de Publicidade da Fiat, Malu Antonio, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A montadora ainda trabalha com verbas reduzidas em função do momento de baixas vendas pela qual passa o mercado automotivo. A proximidade com as eleições presidenciais traz ainda mais incertezas para o setor. “Hoje em dia, o consumidor está no comando e tanto marcas quanto governo precisam estar preparados para lidar com o imprevisível”, ressalta a gerente.
Presença nas ruas
A Fiat já colocou no ar um novo anúncio com a temática da rua, com Herbert Vianna e Negra Li, que alcançou quase seis milhões de visualizações no YouTube. O número ainda está longe das 18 milhões registradas em apenas 30 dias no filme do ano passado, em que a marca chamava a população para ir para as ruas. Na época, a mensagem acabou apropriada pelos manifestantes.
A Fiat não espera alcançar o mesmo patamar de 2013 e aposta agora na defesa da construção de um espaço urbano melhor, por meio da websérie Vacilão da Rua Não, com cunho educativo. A plataforma ganhará em breve um jogo online em que os internautas poderão circular por uma cidade fictícia e interagir com os personagens que protagonizam os vídeos disponibilizados na web. Os participantes do game perceberão, por exemplo, que para chegar a locais de jogos esportivos a melhor alternativa será o transporte público. A novidade será lançada antes do início da Copa do Mundo.
As ações digitais devem mesmo ganhar destaque no período do evento, já que essa edição do mundial promete contar com o maior engajamento de torcedores na internet. O número de fãs nas páginas dos patrocinadores da Copa no Facebook aumentou, em média, 52%, entre fevereiro de 2013 e o mesmo mês de 2014, segundo levantamento da comScore. A Nike e o McDonald’s têm os posts com maior engajamento na rede social.
Engajamento nas redes sociais
O Twitter também vem sofrendo influência do mundial. O engajamento por tweet em relação aos patrocinadores da Copa cresceu cerca de 700% desde setembro de 2013 até fevereiro de 2014. Os seguidores compartilham o conteúdo dessas marcas em média quase três vezes mais do que em fevereiro de 2013.
O grande desafio é como se posicionar para não se tornar alvo nas redes, diante da grande desaprovação dos brasileiros em relação à forma como a organização do mundial foi conduzida. O número de pessoas contrárias à competição no país subiu de 38%, em fevereiro, para 42%, três meses depois, segundo pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência. Apesar do cenário pessimista, a maioria dos entrevistados (71%) diz querer que tudo dê certo.
A Continental Pneus, patrocinadora da Copa do Mundo desde o mundial da Alemanha, em 2006, apostou no sentimento de torcedor dos brasileiros em seu mais recente investimento digital para o evento. A empresa colocou no ar uma websérie em que mostra amuletos que diversas pessoas levam consigo em períodos de jogos da Seleção Brasileira. A marca propõe nos vídeos que os participantes troquem esse objeto de sorte por bolas de partidas ou ingressos para assistirem à equipe brasileira.
Proximidade com o torcedor
A ação na web tem como objetivo estreitar o relacionamento com os fãs da fabricante nas redes sociais. “Contamos com a adesão de mais de 400 mil consumidores em nossa página no Facebook, um público com o qual queremos sempre manter contato. Respeitamos a opinião dos seguidores e o momento pelo qual o país está passando e, por isso, nos propusemos a participar do sentimento dele. Não tem nada a ver com FIFA, com governo, ou qualquer outra entidade, mas sim com saber das histórias desse torcedor ao longo dos campeonatos”, ressalta Carolina Wagner, Gerente de Marketing da Continental Pneus para o Mercosul, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A marca também investiu em ações para estimular as vendas. Durante três meses, clientes que comprassem um kit de quatro pneus ganhavam uma bolsa da Adidas e concorria a um par de ingressos para os jogos. A empresa desenvolveu também um produto na linha para automóveis com a lateral marcada com desenhos de bolas de futebol e da taça. Na época, a Continental Pneus registrou um aumento de 40% na demanda, estimulada pela customização.
Diferente da fabricante, a escola de idiomas online Englishtown é estreante neste mercado de Marketing esportivo. Ela ingressou este ano como patrocinadora da Seleção Brasileira. A companhia vem atuando para a CBF na tradução de todas as coletivas de imprensa e em amistosos, nos quais há a participação de jornalistas de diversas nacionalidades. A marca também desenvolveu um site com um guia de frases úteis no mundo de futebol em inglês e português, além de um infográfico com o vocabulário usado em campo.
Ao lado da Seleção, distante da CBF
Ingressar no apoio ao time brasileiro exatamente num ano marcado por incertezas é um desafio para a empresa. “Somos patrocinadores da Seleção e do esporte porque entendemos que existem muitas características em comum entre o futebol e o ato de aprender inglês: ambos dependem de garra e determinação. Também enxergamos nosso papel social nesse apoio. Não mencionamos a CBF em nenhuma de nossas ações, já que nossos valores vão ao encontro da equipe brasileira e acredito que estejamos no caminho certo, já que não recebemos nenhuma crítica”, ressalta Analígia Martins, Gerente de Marketing da Englishtown, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O curso levou na semana passada um grupo de alunos mais engajados com a empresa para assistir a um treino da Seleção Brasileira na Granja Comary, em Teresópolis. Com as ações, que incluem ainda anúncios na TV fechada, a companhia vem conseguindo minimizar os efeitos sazonais sobre seus negócios. A Englishtown permite a matrícula de estudantes durante o ano todo, mas costuma registrar queda na demanda fora dos períodos tradicionais de ingresso em instituições de ensino presenciais.
Apesar dos benefícios de se posicionar ao lado do time de craques brasileiros, existe o risco de a equipe ser eliminada do mundial. Para a empresa, isso representará a redução nas oportunidades de trabalhar sua imagem durante o mundial. “Estamos com eles na alegria e na tristeza, afinal perder faz parte do jogo. Caso isso ocorra, daremos todo o apoio nas redes sociais. Como marca, a vitória representa mais chances de exposição, mas temos um contrato de cinco anos com a Seleção. Ainda tem muito jogo pela frente”, diz Analígia.
Fonte: Mundo do Marketing